Por Ana Cláudia Rocha
No vasto universo da literatura infantil, há obras que transcendem o simples ato de contar histórias. Elas nos convidam a mergulhar em mundos repletos de significados, emoções e ensinamentos que ecoam além das páginas. É exatamente isso que encontramos em O Coração do Baobá, de Heloísa Pires Lima, com ilustrações de Laerte Silvino, publicado pela Editora Movimenta. A obra, que nos transporta para as raízes da tradição oral africana, é repleta de sensibilidade e reflexões profundas.
Uma narrativa que encanta e ensina
A história gira em torno de um majestoso Baobá, árvore símbolo da resistência e da generosidade na cultura africana. Através de uma narrativa rica em metáforas e prosopopeia, o Baobá se torna um personagem vivo, que compartilha suas riquezas — sua sombra acolhedora, seus frutos saborosos e seu coração repleto de ouro e joias. A lebre, que mantém com a grande árvore uma relação de humildade, postura de aprendizagem e curiosidade, assim como gratidão por seus desfrutes, contrasta com a personagem da hiena, que chega como contraponto, querendo explorar o Baobá a qualquer custo, beneficiando-se de suas riquezas ainda que lhe cause ferimentos devido à forma ávida e agressiva com que atenta sobre ele.
Rica em metáforas que remetem a sentimentos e sensações aliados aos eventos da narrativa, cuja prosopopeia está presente nas personagens do Baobá, da lebre e da hiena, a obra é pródiga em significados, com linguagem sensível e situações bem encadeadas.
O que torna essa obra ainda mais especial é a presença de dois narradores: o contador de histórias, guardião das tradições, e uma criança que, ao ouvir a narrativa, se torna parte dela, imaginando-se no cenário da floresta. Essa dinâmica entre os narradores confere ao texto uma vivacidade única, como se estivéssemos sentados ao redor de uma fogueira, ouvindo uma história que atravessou gerações.
Há ainda um contador de histórias que confere à narrativa um tom reflexivo acerca dos ensinamentos que se pode atribuir à obra, se comparada aos eventos e sentimentos humanos.
Para além de tantos aspectos aparentes no texto, é importante que o leitor seja convidado a explorar e dialogar sobre os diferentes sentidos que os elementos expostos na narrativa lhes despertam e como compreendem e se sentem impactados pelos valores tão claramente apresentados no decorrer da obra, para que esta não resulte em um significado único possível.
Ilustrações que falam por si
A ilustração representa fielmente o texto em suas principais particularidades e é testemunha de seus pontos altos. Chamam a atenção os aspectos gráficos da cultura africana que aparecem em detalhes na ilustração, principalmente do cenário, integrados a toda a obra, de modo a denotar a origem do conto/fábula.
E não podemos deixar de mencionar a cena final, em que uma criança abraça o Baobá — um gesto que traduz a generosidade e a conexão profunda com a natureza, tão valorizadas pelos povos africanos. É possível experimentar múltiplas conexões de sentidos a partir das relações explicitadas pela obra e favorecidas pelo diálogo entre os aspectos gráficos presentes e o que o texto explora.
Uma obra para ser vivida e refletida
O Coração do Baobá não é apenas uma história para ser lida, mas uma experiência para ser vivida e refletida. A obra nos convida a pensar sobre as diferentes formas de riqueza — não apenas material, mas também emocional e espiritual. Através das ações da lebre e da hiena, somos levados a refletir sobre valores como humildade, gratidão, ganância e exibicionismo.
Além disso, a obra é um convite para apreciar a linguagem poética e as metáforas que permeiam a narrativa. Cada palavra parece ter sido escolhida com cuidado, criando um texto que flui suavemente, mas que também nos desafia a pensar e sentir profundamente, cada qual com sua interpretação despertada pela narrativa.
Para quem é indicada?
A obra é indicada para crianças da Educação Infantil (4 e 5 anos) e Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), mas certamente encantará leitores de todas as idades. Para os pequenos, a mediação de um adulto pode enriquecer ainda mais a experiência, abrindo espaço para conversas sobre os temas abordados e as emoções que a história desperta.
Por que ler O Coração do Baobá?
Em um mundo cada vez mais acelerado, O Coração do Baobá nos lembra da importância de parar, ouvir e refletir. É uma obra que nos conecta com nossas raízes, com a natureza e com os sentimentos que nos tornam humanos. Através de sua narrativa sensível e suas ilustrações vibrantes, ela nos propõe inferir que a verdadeira riqueza está na forma como nos relacionamos com o mundo e com os outros.
Portanto, se você busca uma leitura que inspire conversas profundas e reflexões significativas, O Coração do Baobá é uma leitura indicada para conversas apreciativas mediadas pelo professor na escola, que renderá boas análises e apreciações dos aspectos artísticos-literários da obra.
Ana Cláudia Rocha, é curadora da Linha Pedagógica do Grupo Movimenta.